A palavra que resta, de Stênio Gardel | resenha

capa de A palavra que resenha (publicado em 2021) na edição da Companhia das Letras

A palavra que resta celebra a literatura. O romance de Stênio Gardel faz nada menos que relembrar o porquê de todos nós sermos leitores e da capacidade de ler como fundamento do que nos forma como pessoas. Têm dois recursos principais que o livro usa pra isso: o silêncio e a mudança dos personagens ao longo da narrativa.

Narrado em terceira pessoa, o livro conta a história de Raimundo. A narrativa gira em torno do romance de Raimundo e Diego. A história se inicia com a descoberta do início do relacionamento dos dois. O pai de Raimundo descobre e toda a problemática do livro se desenvolve a partir disso.

O pai de Raimundo proíbe o relacionamento dos dois. Ele agride Raimundo de todas as formas possíveis tanto fisicamente quanto psicologicamente. Existem descrições sobre as marcas que ficam no corpo do protagonista. E sobre as agressões verbais que o pai faz também. Raimundo decide então sair de casa. Tudo o que ele leva da relação que teve é uma carta de Diego, carta que não leu porque não tinha aprendido a ler.

Apesar disso, o que pesa na decisão de Raimundo de sair de casa é o silêncio da mãe. Silêncio que, na percepção de Raimundo, era de recriminação. O uso do silêncio ao longo do livro foi o que mais me encantou no livro. Não é só o silêncio da mãe de Raimundo que é um ponto chave no livro. É também o silêncio de Raimundo com a irmã quando decide sair de casa, o silêncio de Diego antes de Raimundo decidir sair, é o silêncio das pessoas da outra cidade quando Raimundo se muda, o silêncio de Raimundo antes de conhecer uma drag queen que o incentivaria a aprender a ler.

Esse silêncio é sempre de uma sensibilidade muito fina, muito sofisticada. Aliás, esse é só um dos recursos líricos de A palavra que resta. O livro tem muitos elementos de poesia e isso dá toda uma beleza para a história que está sendo contada.

Outra coisa que eu quero comentar é sobre as mudanças deles ao longo da narrativa. Sobre essas mudanças, a que mais me chama a atenção é a do próprio Raimundo. A questão de se descobrir gay e de sofrer homofobia traz algumas situações que contribuem para a construção de Raimundo como personagem.

A situação que mais me chamou a atenção é a de que Raimundo agride uma drag. Isso acontece justamente quando ele sofre homofobia também na cidade para que ele se mudou. A nuances dele se ver agredindo alguém também sofre por não seguir o padrão heteronormativo da sociedade é muito expressivo. E o fato de Raimundo agredir alguém fisicamente a ponto de levar essa pessoa ao hospital depois de sofrer tanta agressão é significativo também.

Depois de Raimundo perceber o absurdo que tinha feito, é essa drag queen que vai mostrar que ele como poderia aprender a ler. É assim que Raimundo chegaria à condição de poder ler o que Diego havia escrito. Dessa forma que Raimundo se torna leitor.

Por isso que eu disse no início que A palavra que resta celebra a literatura. A carta de Diego dentro da história não deixa de ler literatura. E é muito possível de ver uma semelhança na forma que Raimundo se começou a ler com o papel que a literatura tem na vida de qualquer leitor. Quero dizer, essa trajetória de Raimundo é um lembrete de que lemos porque a literatura nos enriquece enquanto seres humanos, porque enriquece nossa sensibilidade.

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