Um crime bárbaro, de Ieda Magri | Resenha

capa do livro Um crime bárbaro na edição da editora Autêntica Contemporânea, publicado em 2022

Um crime bárbaro, foi um livro que me chamou atenção por conta da sensibilidade da narrativa e do equilíbrio entre memória e ficção que existe no livro. Ieda Magri reconstitui o assassinato de uma adolescente que ela presenciou quando era criança. A obra traz versões sobre esse crime.

O livro relata o caso de uma menina de 13 anos que foi assassinada numa cidade do Sul do país quando a escritora tinha quatro anos. Apesar de ter sido um episódio traumático para a família e para a cidade onde a menina vivia, não existe nenhum registro oficial do caso. Numa entrevista para o jornal Estado de Minas, a autora relata que a principal dificuldade de contar a história era a do crime não ter sido investigado satisfatoriamente; não existe registro público do crime, ficha policial, nada do gênero.

A falta de registro oficial é uma das dificuldades de retratar com justiça esse crime que trouxe tanta dor. O crime existe na memória de algumas pessoas, e apenas na memória. Necessariamente, a memória distorce o que aconteceu: seja pela dor, pelo sentimento, pela necessidade de esquecer, as recordações são percepções individuais do que aconteceu. Além disso, existe também a necessidade de construir uma narrativa da qual depende a existência de um livro coeso.

É um desafio muito grande conseguir dar uma unidade a uma obra que é constituída pela memória de várias pessoas. E Um crime bárbaro consegue tem coesão. O livro consegue dar uma unidade às recordações que as pessoas têm sobre o assassinato.

Outra questão fundamental sobre o livro é a fronteira com a ficção. A narrativa precisa da imaginação. Não se trata de inventar coisas sobre esse crime (ou sobre qualquer outro episódio que tenha ligação com eventos reais). Se trata da necessidade da narração; que é, em essência, contar sobre algo; não se trata de materializar o que está sendo contado, até porque isso seria impossível. Toda narração exige uma generalização, não há forma apreender a realidade inteira. De escolha em escolha que se constrói qualquer livro e essas escolhas dependem da imaginação do autor.

Ao mesmo tempo, existe um compromisso inevitável em chegar próximo do que aconteceu de fato. Fazer isso tão bem exige cuidado, delicadeza, sensibilidade. Por isso é tão louvável o trabalho que foi feito em Um crime bárbaro. Não se trata somente de Ieda Madri dizer a percepção dela sofre o assunto, mas de através da sensibilidade dela transformar uma série de percepções sobre o mesmo evento em uma unidade que faça sentido.

Eu recomendo a leitura do livro. Não somente porque é um bom livro, uma história contada com cuidado e sensibilidade. Mas porque a leitura do livro traz muitas reflexões sobre a literatura e sobre o porquê de ler. Para mim, a leitura serve também para alargar a humanidade de quem lê, para tornar a gente mais humano. E acredito que Um crime bárbaro faça isso: seja no limite da realidade e da ficção, seja nas emoções causadas pelo relado do assassinato de uma menina que tinha a vida inteira pela frente.

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Aconselho a leitura desta entrevista do Estado de Minas com a Ieda Magri sobre Um crime bárbaro. Conduzida pela resenhista Stefania Chiarelli, a autora conta das motivações para escrever o livro e esclarece pontos sobre a obra.

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