A cabeça do Santo, de Socorro Acioli | resenha

A cabeça do santo estabelece um diálogo entre as tradições populares do interior do Brasil e o que a gente tem de imaginação. Os elementos fantásticos do livro se aproximam do que foi feito de melhor entre os escritores latino-americanos do século XX. A fantasia do livro de Socorro Acioli incorpora crendices e mitos que não são estranhos para quem vive a realidade do livro.
A história inicia com a apresentação de Samuel. A última promessa que Samuel faz para a mãe é que mataria o pai dele. Samuel anda então cinco dias pelo Sertão pra encontrar a cidade onde o pai mora. Quando chega lá, ele dorme a primeira noite na cabeça de uma estátua abandonada para santo Antônio.
Mais ele começa a escutar as orações que as pessoas da cidade fazem para Santo Antônio, ou seja, os pedidos de relacionamento que a população da cidade fazia para o santo casamenteiro.
A partir disso é que a história se desenvolve. Escutando as orações, ele fica por dentro de todos os desejos de relacionamento das mulheres da cidade.
Esse personagem fica famoso após arranjar o casamento de um recém-chegado na cidade e de uma menina de família rica. Centenas de mulheres passam a fazer todos os dias orações diante da cabeça do Santo. A cidade, antes em decadência, passa a ser pujante economicamente depois que famílias inteiras passam a peregrinar para receber milagres parecidos. Samuel, claro, enriquece.
A estátua de Santo Antônio com a cabeça separada do corpo onde o personagem escuta as orações existe mesmo, em Caridade, no Ceará. Nos anos 80, o prefeito da cidade resolveu construir uma estátua gigante de Santo Antônio para estimular o turismo. Mas quem fez o projeto optou por projetar a cabeça do santo separada do corpo, para juntar depois.

No final da obra, não havia mais dinheiro para juntar a cabeça e o corpo. Ficaram largados o corpo sem cabeça e a cabeça sem corpo até hoje. Na foto, dá para ver a cabeça de Santo Antônio no meio das casas.
Para além desse fato e da tradição relacionada a Santo Antônio, também existem referências claras às histórias dos santos do Sertão. Existem muitas menções à Juazeiro de Padre Cícero e é possível dizer sem muitas dúvidas que toda essa história está associada com as memórias de romarias para essa Juazeiro quase sagrada. Verdade que a relação com Canudos e com São José do Belmonte são mais indiretas, mas também existem e compõem a raiz do romance.
Os paralelos com o imaginário popular que se tem de religiosidade no interior do Nordeste são evidentes. E são paralelos que dialogam com essa tradição e trazem frescor para esse imaginário, como devem ser. A cabeça de santo se aproxima do que foi produzido na América Latina no século XX e atualiza a tradição que passa por Os sertões e por Vidas Secas. Não é exagero nenhum dizer que o romance de Socorro Acioli enriquece essa herança.