A claridade, de Marcelo Luján | resenha

capa da edição espanhola de A claridade

Ainda não existe tradução de A claridade publicada em português. Apesar de ainda não ter ganhado edição no Brasil, o livro de Marcelo Luján traz seis contos interessantíssimos e já ganhou alguns prêmios nos países de língua em espanhola desde que foi publicado em 2020. Eu entendo que a função do blog também é apresentar livros, então trago a resenha dessa obra do autor argentino.

Após o término do livro, existe uma sensação de união das histórias que foram lidas. Isso acontece porque o livro foi pensado desde o início a partir de uma estrutura, como o autor revelou em entrevista para a pesquisadora espanhola Sandra Mendoza Vera.

Em resumo, essa estrutura é a alternância de histórias com um narrador objetivo em terceira pessoa e histórias contadas em primeira pessoa. Para além disso, existe também uma unidade temática entre os contos, personagens que participam de mais de uma história, ambientes que se repetem. São histórias distintas e essa unidade são forma um romance, mas dão força para a composição do livro.

Cada história é independente e termina nela mesma. Mas todas elas se encaixam na mesma temática: todas elas trazem situações insólitas e algum elemento que pode ser visto como fantástico. Todas possuem um ritmo parecido também, uma cadência que é idêntica, às vezes até frases que estão construídas da mesma forma. Nesse arranjo, o que mais me chamou a atenção foi como os tipos diferentes de narradores são usados para construir os personagens e situações que dão tensão às histórias.

Em Trinta moedas de carne, primeiro conto do livro, o narrador onisciente conta sobre duas meninas que se perderam. As duas estavam indo para um acampamento e se perdem num bairro que não conhecem e que não tem alma viva por perto. As duas não são propriamente amigas; são namoradas de dois caras que sim são amigos.

A narrativa do conto explora a subjetividade das sensações das duas a partir do narrador que é objetivo. O leitor pode perceber uma inveja aqui e outra ali de uma em relação a outra. Um ou outro conflito mal resolvido de encontros passados. Nessa situação de estarem perdidas num bairro em que não conhecem, esses conflitos revivem e se intensificam.

A tensão que já existe no ambiente é potencializada pelo narrador: “nada do que acontecerá dentro de um tempo deveria suceder nunca, mas acontecerá de todos os modos”. A história se desenrola e essa tensão é mantida até o final.

Já em A má Lua, segundo conto do livro, um irmão conta sobre a relação que ele tem com a irmã. A irmã, que se chama Lu, desde o início é descrita como problemática e com a progressão do tempo essa descrição passeia pelo fantástico com elementos de terror. Essa irmã passa por problemas desde a escola e na vida adulta tem discussões de vida ou morte com os pais.

Dessa vez, a construção da tensão é feita a partir completamente da subjetividade desse irmão que é o narrador. O irmão primeiro diz que “a pobre nasceu com algo mal dentro do corpo” que “não iria poder livrar-se jamais”. Depois, que foi ela que revelou que os pais se divorciariam (como uma premonição). Diz ainda que sentia que falava com um fantasma quando conversava com ela.

No fim, esse conto também tem o aspecto biográfico, de memória. O narrador diz, nas últimas linhas, que “todo mundo deveria deixar de falar dos fatos do passado que não se podem mudar. Só tem sentido pensá-los para mantê-los vivos na memória. Como faço eu com Lu”. Essa perspectiva biográfica dá outra memória para o conto, camada que nunca existiria num conto com um narrador objetivo.

Essa alternância na estrutura dos contos é uma das coisas que faz de A claridade um livro muito interessante. Perceber as semelhanças entre os contos também é divertido. Marcelo Luján é um escritor que tem muitas histórias para contar ainda e tomara que seja traduzido logo para o português.

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