A máquina de fazer espanhóis, de Valter Hugo Mãe | Resenha

capa de a máquina de fazer espanhóis na edição da biblioteca azul, publicada em 2016

A máquina de fazer espanhóis, de Valter Hugo Mãe, trata do luto, o desamparo, da solidão; faz isso com um protagonista que atravessa a velhice. O livro é narrado em primeira pessoa pelo barbeiro António Silva, que vê sua esposa morrer. Os dois estavam juntos desde a juventude de Silva, ou seja, ele não se lembrava nem como era viver sozinho.

Ele não conseguia viver sem os cuidados da esposa. Vai para um asilo. E o leitor se depara com um panorama da subjetividade de Silva diante dessa situação nova já numa idade tão avançada, assim como de resquícios das lembranças de quando era jovem.

Parte fundamental dessa nova situação de Silva é o contato com as outras pessoas no asilo. Dentre essas pessoas, a que mais me interessou foi a de Esteves. Esteves tem o mesmo nome do personagem do célebre poema da Tabacaria, de Álvaro de Campos (heterônimo de Fernando Pessoa). Ele é o dono da Tabacaria, o Esteves sem metafísica; são várias as menções e comparações ao personagens de Fernando Pessoa ao longo do romance.

Silva tem alguns amigos ao longo da narrativa, amigos esses que de alguma forma servem de reflexo para ele. Mas acredito que Esteves é o personagem mais rico literariamente entre todos esses. Para além da relação que dá para estabelecer com o personagem de Fernando Pessoa, acredito que o personagem se insere em outros temas que a obra pretende abordar. Além disso, a amizade que Silva e Esteves fazem no asilo é muito representativa do que é a obra e carrega com ela seus momentos mais comoventes.

O livro tem a pretensão de definir alguma coisa sobre o que é sociedade portuguesa; o próprio título do livro, A máquina de fazer espanhóis, faz menção a isso. Existem também muitos comentários sobre como a sociedade portuguesa se comportou durante a ditadura de Salazar. Isso sempre acontece do ponto de vista de Silva, mas é perceptível que existe essa pretensão.

Nesse contexto, trazer o personagem de um poeta tão consagrado como Pessoa é forma de se posicionar sobre a literatura de Portugal também. Digo, é jeito de homenagear a literatura de Pessoa ao mesmo tempo que a subverte.

Recomendo a leitura de A máquina de fazer espanhóis. Essa subversão que faz Valter Hugo Mãe é interessantíssima, assim como os outros recursos que o livro traz para que seja mais expressiva a subjetividade de Silva. É muito tocante o livro.

comentário sobre a edição

Para além de recomendar o livro em si, queria fazer elogios à edição da Biblioteca Azul. A edição de capa amarela com as bordas das folhas em rosa é muito bonita. Além disso, o texto de Caetano Veloso ajuda a entender um pouco do contexto das publicações de Valter Hugo Mãe e da relação dele com o Brasil. Nas primeiras e nas últimas folhas, o livro também tem ilustrações de Eduardo Berliner.

Não acho que seja superficial comentar sobre a edição em uma resenha crítica sobre a obra. Mas o conteúdo do livro se associa muito intimamente com o objeto livro. Aliás, vale ressaltar que a grafia das palavras foi preservada, como o autor pediu. Isso é importante porque a grafia das palavras faz parte da experiência estética que é ler um livro. Uma palavra escrita dessa ou daquela maneira, uma frase iniciada em maiúscula ou minúscula, um capítulo que inicia com ou sem o recuo do parágrafo; tudo isso faz parte da experiência de ler o livro.

O zelo da Biblioteca Azul contribui com a experiência da leitura.

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Aconselho esta entrevista em que Valter Hugo Mãe conta um pouco da trajetória literária dele.

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