Cinzas na boca, de Brenda Navarro | resenha

Cinzas na boca começa com a descrição de um suicídio. A narradora conta que o irmão mais novo, Diego, se matou e que ela não estava lá nem para ouvir o barulho da queda. A história se desenrola a partir desse choque.
Dividido em quatro partes, o livro é um grande monólogo sobre a vida da narradora. Nesse monólogo, ela reflete sobre a relação com a mãe e com o irmão, sobre a imigração do México para a Espanha, sobre namoros, sobre o trabalho. Publicado em 2022, o livro de Brenda Navarro reflete muitos dos problemas da imigração contemporânea.
Depois de descrever o suicídio de Diego, a narradora expõe alguns detalhes da vida dos dois. O leitor descobre que os dois se mudaram do México para e Espanha quando os dois ainda eram adolescentes. A mãe, apesar de fazer esforços para que os filhos tenham uma boa condição de vida, quase nunca está presente.
De saída, dá para perceber a solidão da protagonista, a falta de pertencimento. E essa falta de pertencimento tem algumas camadas e é complexificada conforme ela narra o livro: primeiro, o trauma de perder o irmão. Depois, se percebe que ela já estava afastada do irmão porque teve que ir trabalhar longe, em outra cidade.
Fica perceptível que foi mais cômodo para ela ir para outra cidade por causa de uma má relação com o irmão e a necessidade de independência da mãe. Há, também, a falta de qualquer vínculo positivo com a Espanha. Pelo contrário. O que existe é discriminação pelos espanhóis. Quando precisa ir ao México idealizado pelas lembranças é para levar as cinzas do irmão.
Outro elemento do livro é a crise de identidade da narradora. A imigração, porque carregada de racismo e de xenofobia, representa desafio para a personalidade dela. E as formas como essa crise de identidade aparece são sutis.
Há um comentário sobre ter que fazer uma prova de inglês para tirar uma boa nota e se mostrar tão inteligente quanto as espanholas. Há outro sobre não poder ajudar a punir os meninos que agridem seu irmão porque não pode ser uma latino-americana selvagem e grosseira. Há, ainda, o distanciamento linguístico dos espanhóis; às vezes falam catalão e ela se vê excluída, às vezes falam um espanhol de um sotaque que só lembra a falta de pertencimento dela ao país.
Outra coisa relevante para a protagonista é a questão do trabalho. A narradora do livro trabalha cuidando de bebês e de idosos, além de limpar casas. Alguns detalhes da relação dela com o trabalho me chamaram a atenção. A que mais se destacou para mim foi a de um casal que ofereceu uma proposta para que a narradora seguisse com eles independente dos feriados e das férias. E isso se justifica porque eles iriam pagar um bônus aqui e outro ali. Como se a narradora não tivesse vida, não tivesse outra perspectiva exceto o de servir esse casal; ou que o dinheiro comprasse a vida inteira dela.
Essa desumanização talvez seja o cerne de Cinzas na boca. Desde o nascimento numa cidade periférica do México, passando por Madrid e Barcelona na imigração para a Espanha, os personagens parecem condenados a essa desumanização, à invisibilidade. Toda essa angústia faz de Cinzas na boca uma leitura muito recomendada.