Enterre seus mortos, de Ana Paula Maia | resenha

capa de Enterre seus mortos na edição de 2018 da Companhia das Letras

Enterre seus mortos é um livro que tem a morte como tema principal. Em especial, a necessidade dos vivos de de se despedir dos mortos.

O romance é protagonizado por Edgar, funcionário que tem como tarefa recolher cadáveres de animais em lugares públicos e incinerá-los. Apesar de ser sua atribuição apenas recolher cadáveres de animais, o enredo do livro trata, em resumo, da necessidade de levar o corpo de uma mulher que ele encontrou no meio da floresta a algum IML para que possa ser eventualmente encontrado por algum conhecido e sepultado. Vivendo num ambiente de desesperança, o protagonista do livro tenta manter a própria humanidade.

Edgar vive numa cidade não nomeada. Fica subentendido que essa cidade se encontra no interior do país e que tem pouquíssima estrutura e presença do estado. Não há presença efetiva do estado, mas há um grupo religioso quase onipresente pela cidade que anunciam o fim do mundo.

Como se esse grupo religioso fizesse parte da paisagem. E é o tipo de espaço que sufoca e passa a sensação de abandono. Na narrativa recortada de Enterre seus mortos, algumas vezes são contados os discursos desse grupo.

Em alguns trechos, dá pra perceber as características desse grupo. Fala-se de almas perdidas, de uma autoridade recebida de Deus, de uma língua estranha que só escolhidos podem entender, de um manto divino, da condenação ao inferno em quem não participa desse grupo. Não há a descrição de paisagem física nesse recorte, mas essa pregação compõem o espaço de Enterre seus mortos como murmúrios presentes em todo lugar.

Outra descrição que aponta para esse clima lúgubre, de desesperança e de abandono é a descrição do céu. Num dado momento, é dito: “não há nada no céu! Nem fúria, nem anjos, nem santos. É um céu vazio, completamente sem cor e sem som. Inerte” – reflexo da desesperança que permeia a cidade e o ânimo dos personagens. Apesar disso, em outro momento é dito que Edgar gosta de contemplar o céu e que tem medo que ele desapareça porque é de cima que parecem proceder todas as coisas.

É nesse ambiente que Edgar tenta manter a própria humanidade. A característica mais memorável da personalidade de Edgar é a empatia. Empatia essa que é praticada num contexto onde qualquer ato de humanidade é desaconselhável.

A orientação que Edgar recebe é a de apenas recolher animais mortos. Apesar de não receber punições por tentar levar o cadáver de uma pessoa para ser sepultado, é notável que ele faça isso pelo simples motivo de não deixar que o corpo de um desconhecido seja aviltado pelos urubus.

Chama a atenção também a percepção que Edgar tem da própria imagem, de ser conhecedor “do fracasso humano, da insuficiência do ser e da dependência da força divina”. Ele se percebe como alguém que sepulta os mortos e “faz reviver um novo ser humano”, já que só enterrando os mortos pode-se viver.

O ponto fraco do livro é a narrativa que às vezes prolonga demais episódios que deveriam durar menos e que recortam situações que precisam de mais desenvolvimento. Entretanto, a ambientação do livro e as nuances dos personagens fazem a leitura valer a pena. No fim das contas, a leitura compensa.

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