O cobrador, de Rubem Fonseca | resenha

capa de O cobrador na edição da Nova Fronteira

Dá pra dizer que O cobrador é um livro de exceção dentro da obra do Rubem Fonseca. Claro que a violência continua lá, a linguagem próxima da oralidade permanece e que a narrativa segue sendo dinâmica com cortes parecidos com os do cinema. Mas os contos de O cobrador são histórias que exploram o revanchismo social como nenhum dos outros que eu já li.

É fácil associar a exploração dessa temática ao contexto em que o livro foi publicado. Publicado em 1979, o livro é o primeiro do autor após a censura de Feliz ano novo, que ocorreu quatro anos antes. Escritos durante o governo Geisel, os contos do livro trazem reflexos de um país em que o propagandeado milagre econômico beneficiou apenas quem já tinha boas condições e que a censura não era mais branda do que os piores anos da ditadura militar.

Não são todos os contos que exploram esse revanchismo. Na verdade, são dois contos dos dez do livro que fazem isso explicitamente. São esses dois que eu quero comentar com mais detalhes.

Vale começar a análise pelo conto que dá título ao livro. O protagonista do livro é um sujeito que se intitula de “cobrador” porque cansou de ser subjugado e decidiu passou a cobrar as pessoas que ele entendia que deviam algo a ele. Depois de assassinar o dentista porque não tinha direito para pagá-lo, o cobrador passa a matar todas as pessoas em posição privilegiada (ou que ele entendia como privilegiada) que ele tinha oportunidade.

É interessante perceber que o personagem age apenas por causa própria, sempre no plano individual, jamais por um coletivo. Apesar do ódio de classe, o ressentimento do cobrador é puramente individual. As ações dele são apenas contra os indivíduos, jamais visam mudar qualquer tipo de estrutura social. Não existe qualquer perspectiva para isso.

É o oposto no conto Onze de maio. Esse, ao contrário, narra o início da revolta de um grupo de idosos contra a direção de um asilo em que estão internados. Apesar de não serem ações propriamente planejadas, visam a mudança desse lugar em que vivem.

A profundidade psicológica que Rubem Fonseca consegue imprimir nos personagens do conto é impressionante. Nas poucas páginas do conto, o autor consegue desenvolver muitas facetas dos personagens, sobretudo do narrador protagonista. O revanchismo desse personagem se ampara numa vida inteira de passividade e de uma mudança de postura a partir de certa paranoia direcionada à organização do asilo.

O denominador comum dos dois contos e dos outros do livro é a violência. A única arma que esses personagens têm é a violência. E isso é sintomático: sem perspectiva de mudança real, os personagens usam a única arma que têm acesso.

No contexto dos piores anos da ditadura militar, esse revanchismo estéril de personagens sem perspectiva é muito significativo. As situações do livro enriquecem a representação da violência na obra do Rubem Fonseca. É uma leitura indispensável dentro do que o autor produziu.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *