Os óculos de ouro, de Giorgio Bassani | resenha

Os eventos de Os óculos de ouro se passam pouco antes da Segunda Guerra Mundial, numa Itália que está se tornando fascista. Publicado em 1958, dá para classificar o livro como um romance histórico. Apesar disso, ele não pretende relatar os fatos do período por ele mesmos, o livro não pretende contar de forma objetiva o que aconteceu na época.
Ao contrário, o objetivo de Giorgio Bassani é expressar como as pessoas viveram esse período. Isso resulta em um romance que retrata a época de uma forma subjetiva. As questões do livro refletem o presente, então: quando o foco é nas emoções e perspectivas dos personagens, o livro não fica datado.
O protagonista do livro é Fadigati, médico que tem a carreira contada de forma linear. Na narrativa, percebe-se que existem burburinhos sobre Fadigati ser judio e homossexual; apesar da discrição do médico todo mundo na cidade aonde o personagem trabalha tem conhecimento desses fatos. Apesar do burburinho, a carreira de Fadigati é consolidada, pelo menos no início do livro.
Isso porque a Itália progressivamente se aproxima da Alemanha hitlerista ao longo da narrativa. Os indivíduos do romance reagem a essa mudança. Em dado momento, Fadigati precisa fugir da Itália.
O narrador, que é um adolescente também judio, é amigo de Fadigati e foge da Itália no mesmo trem. É interessante perceber como as sensações do narrador assumem o centro das atenções do romance a partir desse exílio. Antes disso, a história se concentrava em contar a história de Fadigati.
Para mim, as descrições dessas sensações são o que o livro tem de mais bonito. O que mais me chamou a atenção é que, depois do exílio, o narrador diz que não aguentava mais ver nenhuma pessoa feliz próxima a ele. Diz que se sente desesperado porque não atura que seu pai sequer sorria depois de ter saído da Itália.
Outra coisa muito destacada do romance é o sentimento de Fadigati após ter saído da Itália. Além da perseguição por ser judeu, Fadigati também sofre por causa de um escândalo que um amante causou. Depois de passar a vida inteira construindo sua reputação como médico, o personagem considera que não tem um pingo de dignidade.
Num diálogo com o narrador, ele afirma que até mesmo se barbear diante do espelho se tornou insuportável para ele. Fadigati diz que não é como se pudesse simplesmente trocar de roupa e esquecer o que aconteceu; que ele sentia que se tratava de algo que estava impregnado na pele dele. Diz que se sente ridículo, grotesco, absurdo.
O trabalho de Bassani em Os óculos de ouro é muito admirável. Retratar os horrores da guerra a partir de uma dimensão subjetiva causa muito mais sensibilização do que os números frios dos regimes nazifascistas do século XX. Os óculos de ouro é um romance que alarga a humanidade de quem lê.