Um corpo na biblioteca, de Agatha Christie | resenha

Na introdução de Um corpo na biblioteca, Agatha Christie deixa clara a premissa do mistério do livro: um cadáver extravagante numa biblioteca comum. É esse o caso que miss Marple precisa resolver. Ao longo da investigação, vão aparecendo coadjuvantes excêntricos que têm interesses quase sempre racionais.
A história inicia quando Arthur e Dolly Bantry recebem a notícia de que os empregados deles encontraram o corpo de uma mulher na biblioteca do casal. É marcante o contraste entre a biblioteca e a da jovem. Enquanto o espaço não poderia ser mais comum, mais convencional e corriqueiro, a mulher tem o rosto grotescamente pintado.
Dada a reputação sólida e a surpresa dos Bantry, há a suposição inicial de que eles não têm envolvimento com o assassinato e que o cadáver foi levado até a biblioteca. Logo chega a polícia e os inspetores principiam a busca de pistas para descobrir a identidade da mulher e do assassino. A senhora Bantry, que é amiga de miss Marple, chama a detetive para que ela também investigue o crime.
Durante a maior parte do livro, são narradas as tentativas do inspetores de resolver o caso. A investigação de miss Marple fica em segundo plano.
O que me chamou mais a atenção no romance foi a excentricidade dos personagens. Alguns coadjuvantes fazem questão de afirmar que o caso está resolvido ao menor indício de que esta ou aquela pessoa pode ser a assassina; um suspeito faz questão de destratar os inspetores e de atrair para si a antipatia de quem pode o acusar do crime; outro personagem não sabe se foi ou não de carro para uma festa; certo figurão deixa em testamento uma herança para alguém que recém conheceu.
Por outro lado, os interesses desses personagens são quase sempre razoáveis. Aliás, quase todos eles ganhariam algo com o assassinato da jovem. Nisso se baseiam muitas das suspeitas que são atribuídas aos personagens.
Isso dá uma camada de complexidade aos coadjuvantes que talvez seja o mais interessante do livro. É perceptível que cada um tem sua própria personalidade e seus próprios interesses. Também dá para perceber que eles representam facetas particulares da Inglaterra da primeira metade do século XX. É visível, por exemplo, que nenhum dos personagens têm perspectiva de melhorar de posição na sociedade.
Um último ponto que eu quero destacar é a diferença de método e de perspicácia entre miss Marple e os inspetores. Os inspetores, apesar de conseguirem descobrir pistas que seriam úteis para a resolução do caso, não conseguem ter uma visão ponderada sobre o crime e sobre outro caso que acontece ao longo da história. A sensação é que eles não têm tato para lidar com as outras pessoas e que as pistas mais superficiais impedem que eles tenham uma visão global do caso.
Miss Marple, ao contrário, precisa de pouco para sua resolução. A detetive consegue fazer deduções a partir do que é apresentado para ela. E faz isso sem ser espalhafatosa, sem acusar os outros a partir de provas insuficientes.
Assim como os outros romances da Agatha Christie, esse entrega o que promete. Um corpo na biblioteca é um romance divertido, com coadjuvantes interessantes e um mistério que se sustenta até o final. Para quem gosta de romances policiais, vale a leitura.